Ouve meu cântico, quase sem ritmo Que a voz de um tísico: Magro esquelético Poesia épica, em forma esdrúxula Feita sem métrica, com rima rápida Amei Angélica: Mulher anêmica De cores pálidas e gestos tímidos Era maligna e tinha ímpetos De fazer cócegas no meu esôfago Em noite frígida, fomos ao Lírico Ouvir o músico: Pianista célebre Soprava o zéfiro: Ventinho úmido Então Angélica ficou asmática! Fomos ao médico: De muita clínica Com muita prática e preço módico Depois do inquérito, descobre o clínico O mal atávico: Mal sifilítico! Mandou-me célere comprar noz vômica E ácido cítrico para o seu fígado O farmacêutico, mocinho estúpido Errou na fórmula: Fez despropósito! Não tendo escrúpulo, deu-me sem rótulo Ácido fênico e ácido prússico Corri mui lépido, mais de um quilômetro Num bonde elétrico de força múltipla O dia cálido deixou-me tépido Achei Angélica já toda trêmula A terapêutica: Dose alopática! Lhe dei em xícara de ferro ágate Tomou num fôlego, triste e bucólica Esta estrambólica droga fatídica Caiu no esôfago, deixou-a lívida Dando-lhe cólica e morte trágica! O pai de Angélica, chefe do tráfego Homem carnívoro, ficou perplexo Por ser estrábico, usava óculos Um vidro côncavo, o outro convexo Morreu Angélica de um modo lúgubre Moléstia crônica levou-a ao túmulo! Foi feita a autópsia. Todos os médicos Foram unânimes no diagnóstico! Fiz-lhe um sarcófago assaz artístico Todo de mármore da cor do ébano E, sobre o túmulo, uma estatística Coisa metódica como Os Lusíadas E, numa lápide, paralelepípedo Pus esse dístico terno e simbólico Cá jaz Angélica: Moça hiperbólica Beleza helênica. Morreu de cólica!